Texto de Paulo Urban, publicado na Revista Planeta, edição nº 370, julho/2003
Paulo Urban é médico psiquiatra e Psicoterapeuta do Encantamento.
Antiqüíssimas e incontáveis são as artes divinatórias. Desde que o ser humano deu-se conta da brevidade de sua existência e aprendeu a observar o mundo, a preocupação em preservar sua espécie o acompanha em sua evolução. Também o pensamento mágico provém de épocas remotas, tendo sido o único elo capaz de explicar o meio e seus fenômenos aos nossos antepassados pré-históricos.
A necessidade de se prever o futuro evidentemente nasceu atrelada à questão da sobrevivência humana. Para que pudessem estabelecer-se em suas respectivas regiões geográficas, as civilizações se dedicaram a compreender o comportamento cíclico da natureza no intuito de antever seus fenômenos climáticos, seus reveses atmosféricos, as épocas de cheia ou de vazante de seus principais rios, a chegada do frio ou do calor etc, de modo a garantir a preservação de suas culturas ao longo das gerações vindouras. Conhecimentos astronômicos tornaram-se cruciais na demarcação das estações e contribuíram para o nascimento de diversos tipos de calendários, lunares ou solares, com o que as civilizações puderam melhor planejar seu cotidiano na esperança de sobrepujar as dificuldades e vencer o amanhã.
Práticas oraculares de toda espécie, das mais simples às mais complexas, frutificaram abundantemente desse casamento natural entre o pensamento mágico dos homens e sua intenção de impor sua vontade soberana sobre o meio, no sentido de controlar as forças naturais (ou ao menos prever seu comportamento) e saber agir em concordância com elas. Sábios astrólogos, sacerdotes, xamãs e feiticeiros, profetas e videntes, magos e outros iniciados sempre representaram para suas respectivas culturas essa ponte sagrada entre nossa realidade comum e as hostes sobrenaturais, entre nossa vida frágil e temporânea e o seguro saber ancestral, e puseram-se a instruir seus povos em acordo com a vontade dos deuses, via de regra revelada por meio da linguagem oracular.
Inúmeras práticas mânticas ou mancias (o termo se origina do grego mantéia, vaticínio, adivinhação) se desenvolveram ao longo da história da humanidade. Dessa variedade infinita, citemos algumas práticas curiosas: piromancia, adivinhação pelo fogo vivo e pelas cinzas deixadas após a queima;
hidromancia, vidência através da água; cataptromancia, a envolver o uso de um espelho mágico; litomancia, previsão realizada por meio das pedras (incluem-se as runas); cristalomancia,
vidência clássica pela bola de cristal; astragalomancia, (comum na Grécia antiga) leitura da sorte por meio de ossos que são atirados ao chão; hipnomancia, previsão baseada na interpretação dos sonhos; ornitomancia, vaticínio feito em acordo com o surgimento ou comportamento de certos pássaros; ofidiomancia, idem em relação às serpentes; rabdomancia, quando a prática envolve o pêndulo ou a forquilha, essa comumente destinada ao encontro de mananciais de água;
cafeomancia, que consiste em observar as borras do café deixadas no fundo da xícara, muito em voga na Europa a partir do século XVII;
quiromancia, arte de ler o destino pelas linhas da mão; cartomancia, que se vale de baralhos e tarôs; hepatesplancnomancia, comum entre babilônios e egípcios, analisa as vísceras dos animais mortos e infere a partir de seu estado;
necromancia, técnica de invocar os mortos e questioná-los sobre o passado ou o futuro; e não nos esqueçamos da
astrologia, uma das artes mais complexas e difundidas que também pode propor-se à futurologia, guardadas suas diferenças de método ou de interpretação conforme suas origens caldéia, árabe ou chinesa, entre outras “astrologias” menos difundidas.
Mas como devemos nos comportar diante dos oráculos? Como interpretar sua linguagem e interpretar seus desígnios? Como aproveitar seus vatícinios para que nossos passos encontrem seu caminho? Peçamos à história um exemplo clássico que nos favoreça nessa dúvida.
Creso, rei da Lídia, região da Magna Grécia, no século VI a.C. pretendia invadir a Pérsia, mas há anos atormentava-lhe a dúvida quanto à sorte desse seu empreendimento. Não acostumado a confiar seu coração a ninguém, decidiu ir ter pessoalmente com o oráculo de Delfos, consagrado a Apolo. Delfos era um templo elitista, que respondia a seus célebres visitantes em troca de consideráveis tributos doados aos sacerdotes que administravam o local de peregrinação.
Havia, por certo, oráculos mais populares, que pouco ou nada cobravam, como o de Acaia, dedicado a deus Hermes, companheiro dos homens comuns. Em Acaia, entretanto, o visitante devia aproximar-se do altar central, situado sob um pórtico feito de pedra, a herma, e bater com a testa sobre ela, para dali sair muitas vezes sangrando, dando lugar ao seguinte da fila, com as mãos tapando os ouvidos de modo a destapá-los somente fora do templo, em meio à multidão. O primeiro barulho que o consulente atordoado discernisse em meio ao murmurinho e o vozerio do povo, seria a sentença de Hermes a orientá-lo em sua dúvida.
Creso, porém, escolhendo algo mais condizente com sua nobreza, resolveu expor sua questão diante das sacerdotisas de Delfos, chamadas sibilas, ou pitonisas. Ambos os nomes guardam relação com a serpente Píton, que Apolo teria estrangulado na caverna onde fora erguido seu templo. Tais mulheres, geralmente virgens, eram selecionadas desde a pré-adolescência para tal função. Preferia-se ainda as epilépticas, posto que suas crises convulsivas eram vistas como traço notável da incorporação das divindades. Em sua preparação para atuar em transe, as pitonisas mascavam folhas do loureiro e bebiam água sagrada da fonte Cascália, que brotava do rochedo Nimpéia, bem como ingeriam outras poções alucinógenas. Respondiam aos consulentes geralmente seguindo orientação prévia dos sacerdotes, e o faziam em meio a gemidos estridentes e pantomima dramática, que às vezes as faziam cair do alto da trípode, um assento de ferro firmado sobre um tripé, colocado ao fundo do templo caverna, à boca de uma estreita fenda abismal de onde, na Antigüidade, possivelmente, desprendiam-se gases e vapores inebriantes.
Creso obteve ali sua sentença: “Ao cruzares o rio, destruirás um grande império”. Satisfeito com a resposta, ofereceu maiores recompensas aos sacerdotes de Delfos, retornou à Lídia, armou às pressas seu exército, invadiu a Pérsia e… foi derrotado! Teria errado o oráculo?
Ora, observe o leitor que o oráculo não disse a Creso qualquer inverdade; foi ele quem projetou na resposta seus desejos sem que sequer parasse para pensar que o império destruído poderia ser o seu. Difícil é crer que pitonisa alguma pudesse saber de antemão qual dos exércitos venceria; entretanto, na sentença oracular, sabiamente formulada, estavam guardados os elementos necessários para que Creso melhor refletisse acerca de sua questão.
Aprendemos daí como operam os oráculos, que tanto melhores são quanto mais ambiguamente expressam seus vaticínios, posto que cabe sempre ao homem, em última análise, decidir quanto a seus passos por si só. Tivesse Creso maior discernimento, poderia interpretar a dúbia resposta como uma séria advertência para que melhor se preparasse para a guerra, o que talvez o levasse ao êxito em vez do fracasso. Não fosse a estupidez de se precipitar ao encontro do destino, quem sabe este lhe reservasse melhores circunstâncias.
O fato é que não devemos levianamente esperar encontrar respostas prontas em qualquer sistema oracular, clássico ou moderno, simples ou complexo, tradicional ou exótico. Todos eles, entretanto, podem muito bem servir como ampliadores de nossa consciência, como nova luz sobre nossa senda pessoal, como agentes de interlocução que nos permitem transcender o padrão meramente racional com que costumamos lidar com os problemas da vida. Estimulados por uma consulta oracular, somos levados a perceber aspectos intuitivos e subjetivos importantes, que permaneceriam ocultos e esquecidos não fosse a arcaica propensão humana em valorizar os sinais mágicos que a vida oferece.
Sigamos em nossa proposta: como proceder com uma consulta oracular? Antes de tudo, importa ter de forma clara em nossa mente a pergunta que desejamos formular. Ainda que as respostas oraculares apresentem-se enigmáticas e sábias devido à sua ambigüidade, o mesmo não deve ocorrer com nossa questão. Este preceito, ao menos, Creso cumpriu devidamente. Observe, portanto, o leitor, se sua pergunta já não encerra em si mesma contradições, que só trariam maior confusão diante da tarefa de interpretar qualquer resposta.
Uma vez de posse da pergunta, podemos ainda nos valer de certos procedimentos ritualísticos (próprios ou já sistematizados) que nos ajudem a agir com seriedade e determinação em nosso intento. A bem da verdade, tais procedimentos, quaisquer que sejam eles, são absolutamente prescindíveis caso sejam repetidos como simples superstição. Podem, entretanto, devido a seu caráter eminentemente simbólico, ser oportunos no intuito de nos preparar psicologicamente para a leitura de nosso oráculo. O uso de velas e incensos, por exemplo, pode favorecer a aclimatação propícia à alma sedenta de luz. Velas representam a brevidade de nossas existências, que se extinguem cada qual ao fim de sua cera; já o incenso, simboliza a perseverança anônima com que devemos buscar nossas respostas, posto que ele queima com silenciosa nobreza, purificando o ambiente e a relação entre o consulente e seu oráculo.
O principal, entretanto, é saber que os oráculos são porta-vozes do “si mesmo”. É relevante ter em mente que não são eles que respondem às perguntas, mas sim a alma sincera daquele que investiga é que se banha no fenômeno da sincronicidade (ou das coincidências significativas), que nos ensina a ler e interpretar os sinais à nossa volta, de modo a nos esclarecer diante dos momentos chave da vida.
Toda leitura oracular é um exercício de imaginação, e as sincronicidades expressam a riqueza desse jogo. Os antigos gregos diziam kairós (que se traduz por “tempo e/ou lugar convenientes”) para expressar a idéia de algo que não acontece por acaso, mas sim porque combina com toda a particular configuração da natureza em determinado instante.
Zózimo, alquimista grego do século IV, valia-se desse conceito para especificar o momento oportuno das mudanças, instante cosmologicamente propício para determinada ação humana “dar certo”. “Todo e qualquer fenômeno do cosmos, se bem aproveitado, pode levar o homem à sua glória”, entendia Zózimo.
Para sabermos “ler” as mensagens ou imagens oraculares é necessário que estejamos em sintonia com o movimento das coisas. Ora, tomemos as cartas do tarô ou os textos do I Ching, bons exemplos do universo oracular, eminentemente simbólico. O tarô se apresenta por figuras complexas que dizem respeito a experiências marcantes, consideradas arquetípicas; já o I Ching, revela-se por textos enigmáticos incapazes de dizer qualquer coisa com maior grau de precisão; ambos os oráculos permitem, outrossim, que sejam interpretados segundo uma subjetividade inesgotável, a partir de cada um de seus observadores.
Seja qual for a espécie do oráculo, os 64 hexagramas do I Ching, as 78 cartas do Tarô, as 25 pedras das Runas etc…, o que vale são as abstrações que o consulente traduz de seu conjunto. Pouco importa se nos “saiu” esta ou aquela frase, carta ou pedra, até porque não se encontram nestas frases, cartas ou pedras nossa sorte ou destino. Admitir isto seria isentar-nos da responsabilidade sobre o arbítrio; o que, convenhamos, não é propriamente uma idéia saudável.
Interpretar sentenças oraculares exige abstração e nos pede que saibamos estabelecer analogias, mediante parâmetros subjetivos, portanto pessoais, dedicados a avaliar e sentir o momento vivido, independentemente das barreiras do tempo. Tal pensamento permeia também a astrologia, devotada a inferir relações analógicas profundas a partir do dinamismo e das qualidades atribuídas aos astros ou conjunções celestes, no intuito de melhor compreender a natureza humana, o que bem representa a sabedoria psicológica que os antigos já possuíam.
Os oráculos, paradoxalmente, ao contrário do que muitos pensam, prestam-se bem mais para lançar luz sobre o presente do que para fazer adivinhações acerca do futuro; afinal, o único tempo que realmente existe é o do aqui e agora.
Convém dizer ainda que nenhuma resposta oracular vale mais do que aquela que nos faz perceber algum aspecto antes não observado, e que, portanto, ela é única, não devendo sequer ser trocada por outra ou desconsiderada. Cada evento sincronístico é importante por si só; relaciona-nos ao momento particular e confere, pelo tanto de significado que em nós desperta, algo do sentido que desejamos dar às nossas vidas.
Lancemos nossas cartas, nossas pedras, nossas tavas… Consultemo-nos com o verdadeiro grande oráculo, oculto por detrás de qualquer sistema oracular: nosso Eu Interior. Ouçamos o que ele nos diz de verdadeiro e honesto. O próximo passo será bem mais seguro e o amanhã estará compromissado com nossa maior responsabilidade.
Olá Sarah, parabéns pela postagem.
ResponderExcluirBeijos encantados.
Lua (Natuerezadeluanegra)
Salve Lua Negra, grata pelo carinho
ResponderExcluirbeijos
Sarah